Teatro
Ruy de Carvalho
por: Cristina Alves
Ruy de Carvalho
"Gostava de voltar a fazer um vilão"
por: Cristina Alves
“Nós somos um povo com uma história
invejável e que não nos devemos rebaixar perante ninguém.” O actor Ruy de
Carvalho é uma voz que voa com imenso orgulho há décadas na cultura portuguesa.
Na entrevista que, amavelmente, nos concedeu, fala de tudo sem qualquer problema.
Qualquer português se orgulha de dizer que Ruy de Carvalho é um membro da família.
O Ruy vive a vida intensamente e
afirma que não tem medo da morte. O que o faz pensar assim?
Quando já se
viveu muito, como eu, a morte surge como uma coisa natural. Ninguém fica cá, disso
tenho certeza. Mas como é natural, com 88 anos, a esperança de vida já não é
muito longa.
Tive
momentos muitos bons, outros menos bons, mas, no geral, fui feliz. Tive tudo o
que queria. Casei com a mulher que escolhi, tive dois filhos que adoro e três
netos de que me orgulho muito. Se Deus quiser, no final do ano ainda vou ter a
sorte de ver a minha bisneta.
Nunca escondeu a sua convicção de que
um dia vai encontrar Ruth, a sua adorada mulher. É esta esperança que o deixa
mais feliz e com mais energia no dia-a-dia?
Claro que
sim. A Ruth está à minha espera, tal como os meus pais e irmãos, muitos amigos
e colegas e os meus cães. Todos foram muito importantes para mim e eu acredito
que estarão à minha espera, para mais uma jornada noutro sítio qualquer…
Foi surpreendido por três tumores e
nunca deixou de sorrir. Aliás diz-se que é um bom doente. Onde vai buscar esta
força?
Não sei.
Acho que apesar de ser pessimista em algumas coisas, sou muito optimista em
relação à doença. Os médicos dizem que sou bom doente, que faço tudo como eles
mandam, mas julgo que tenho sempre muita esperança, ou fé, como lhe quiserem
chamar. Quando sou operado, raramente estou muito tempo de convalescença. O
trabalho ajuda-me a recuperar.
Com a austeridade foram os reformados
os mais sacrificados. Ao contrário do que se pensa um actor não ganha fortunas
até porque trabalha por temporadas. Umas têm de dar para as outras em que não
há trabalho. Consegue viver com a sua reforma?
É verdade,
os reformados e pensionistas foram os mais afectados com esta crise e isso não
é justo. E o mais grave pra mim, é que acreditei que este governo ia ter em
conta que as pessoas que trabalharam muito, têm direito a ter aquilo que
descontaram, a ser respeitado pelo que deram ao país. Estou muito magoado com
tudo isto.
Quanto aos
atores, eu não me posso queixar, porque em 73 anos de carreira, devo ter
estado 3 ou 4 meses sem trabalho, mas a grande parte dos meus colegas, estão
muito tempo sem ganhar. Até podem ganhar bem quando trabalham, mas se logo a
seguir estiverem, alguns meses ou em alguns casos, um ou dois anos sem
trabalhar, esse dinheiro desaparece todo. E têm que pagar tudo como as pessoas
que recebem o seu ordenado ,mensalmente. Enfim, havia muitas formas de resolver
o assunto, mas quem governa não quer ouvir.
Já teve colegas a virem pedir-lhe
ajuda para conseguirem entrar numa peça?
Directamente
,nunca me aconteceu, mas já o fizeram através da minha filha. E ela, fica sempre
sem saber o que dizer. Ela pede, mas as coisas não são assim. O meu próprio
filho e também o meu neto não conseguem ter sempre trabalho. Mas este assunto
levaria a outros bem mais complexos, que dariam um outra entrevista, e esta bem
maior.
Como é que o Ruy entrou no teatro?
Transformou-se logo em actor?
Eu tinha
dois irmãos Actores, e a minha mãe era pianista, o que me permitiu ter acesso a
esta maravilhosa profissão. Comecei com 15 para 16 anos, como jovem amador, mas
já com um grande mestre de Teatro, o Ribeirinho, e depois fui para o
Conservatório Nacional onde fiz a minha preparação com grandes mestres. Com
vinte anos já era profissional.
Num país com milhares de
desempregados como é que se convence que ir ao teatro é importante e faz bem?
Não é fácil.
A necessidade de comer e viver com alguma dignidade, obriga a cortar em muitas
coisas. Eu compreendo isso e eu próprio o faria. Mas é aí que o Estado, com os
impostos que todos pagamos, devia entrar, levando a cultura às pessoas. Os
artistas têm que comer, e se o Estado o fizesse, todos ficariam melhor. Um povo
culto é um povo que sabe exigir. Mas isso não interessa a quem manda.
Não quero
deixar de salientar que, felizmente há muitas câmaras que oferecem os
espectáculos à população, e nesta altura tem sido importante para muita gente.
A cultura não tem cor partidária como
dizia Lucas Pires. Não lhe parece que o que tem acontecido com os sucessivos
governos é que a cultura está sob o efeito do uso da lixívia?
Sem dúvida.
Por vezes pensamos que as coisas vão mudar, mas depois volta tudo ao mesmo. Mas
creio que o que respondi antes mostra bem o que penso.
Ruy, o actor nunca se deveria
reformar, deixar de trabalhar. Teatro, séries, novelas há muitos jovens a
aparecer, uns com muito talento mas outros só com físico para mostrar. Que me
diz de actores como o Ruy e a Eunice serem eternos por serem autênticos manuais
das letras ditas? … E depois nas famílias representadas em palco ou na
televisão há sempre um avô ou uma tia-avó.
Eu costumo
dizer que há Actores que trabalham até andar de bengala e Actores de montra,
que são aqueles que só querem aparecer nas páginas das revistas, chegar à fama.
A fama alcança-se com trabalho, muito trabalho, e se acabamos por ser famosos é
porque demos provas disso. Infelizmente, muitos dos que hoje se intitulam, ou
antes, a quem chamam de Actores, não têm grande futuro.
Nenhum Actor
com a minha idade pode pensar que ainda pode fazer o papel de um jovem, mas há
muitos papéis que podem e devem ser feitos por Actores mais velhos. O Teatro, a
televisão e o Cinema, traduzem a vida, e na vida, cabem todas as idades, embora
haja muita gente, que só as pessoas jovens, ou mesmo de meia-idade, é que têm
direito a trabalhar. Acontece o mesmo com os Jornalistas nas televisões. Mal
aparecem os cabelos brancos começam logo a ser afastados dos ecrãs.
Ruy lembra-se onde estava no dia 25
de Abril de 1974?
Estava em
casa e tinha que sair porque tinha um problema no carro e como ia trabalhar
para fora de Lisboa, precisava do carro. Os meus filhos ficaram em casa, já não
foram para o liceu, mas eu tive que sair de casa. É claro que bati com o nariz
na porta. Na oficina só estava o chefe da oficina, um grande amigo, que já nos
deixou há alguns anos.
O seu talento já foi várias vezes
premiado com Globos de Ouro. Tem a noção de que a cada prémio que recebe, o
público ainda o admira mais? O carinho que sentem pelo Ruy é muito semelhante
ao de um ente querido. Estava preparado para pertencer a tantas famílias?
Já recebi
mais de uma centena de prémios, mas acima de tudo o que isso me obriga é a
respeitar ainda mais o público que me aplaude. Os prémios dão-me mais
responsabilidade. Quando alguém me diz que pertenço à sua família, fico
orgulhoso. Significa que o meu trabalho os toca e que represento bem os
personagens que me distribuem. Gostava de voltar a fazer um vilão, um papel de
mau, mas já não dão esses papéis. Mas acredite que são os que dão mais gozo fazer,
porque são desafios para um Actor.
“Trovas & Canções, Actores,
Poetas e Cantores” um espectáculo inédito de Paula Carvalho e Paulo Mira
Coelho. O Ruy sobe ao palco com o filho e o neto. Vão estar no Porto, no Teatro
Sá da Bandeira dias 12 e 13 de Setembro. Diz-se por aí que este é um
espectáculo que deixa o público de alma lavada?
Eu creio que
é isso mesmo que acontece. Nós apenas lembramos às pessoas que o que é
português é muito bom. Que temos grandes Poetas, grandes Compositores, grandes
Músicos e Cantores. E nós, como Actores, tentamos representar isso mesmo, com o
apoio extraordinário de uma grande voz do Fado e não só, a Ana Marta, que foi
Prémio Amália revelação em 2011 e dois brilhantes guitarristas, o Ricardo Gama
e o João Correia. Nós somos um povo com uma história invejável e que não nos
devemos rebaixar perante ninguém. E que temos para dar ao povo português é tão
bom ou melhor que aquilo que vem lá de fora, e que nos sai bem mais caro, em
muitos sentidos.
Quem assiste
ao espectáculo é convidado a participar, a interagir connosco. E isso tem
acontecido em todos os espectáculos. Até os mais novos o fazem, e muitas das
canções, poemas ou até mesmo a peça de Teatro que representamos não são do
tempo deles. Mas eles devem conhecer tudo e o passado é parte da nossa história
e uma parte importante do nosso futuro.
A entrevista já vai longa e ainda
havia tantas perguntas para lhe fazer. É bom esse sentimento de que teríamos
uma belíssima tertúlia.
Sem dúvida.
Adoro tertúlias.
Terminarei com chave de ouro: com o
campeonato de futebol mesmo no início e tantas mudanças que aconteceram nos
grandes, qual é o seu prognóstico para esta época?
Já não sei.
Os “pequenos” estão a ficar grandes e os “grandes” estão cada vez mais com
dificuldade em manter os seus lugares…Eu sou do Benfica, mas acima de tudo
gosto de ver bom futebol e fomentar o Fair Play…É assim que deve ser. Quanto a
prognósticos, essa é mais difícil, mas espero que ganhe o melhor, que tanto
pode ser o Benfica, o Porto ou o Arouca.
Trata os Patudos como seus
semelhantes, por isso não é de estranhar que vá apoiar a APA (Associação para
Protecção aos Animais de Torres Vedras). De que forma a sociedade pode ajudar?
Eu trato os
animais com respeito, porque eles fazem parte das nossas vidas. Os cães e os
gatos, são os que estão mais próximos de nós, ou antes, foi assim que nós,
seres humanos decidimos que teria que ser. Não nos podemos esquecer que o
planeta não é só do Homem e que os animais têm tanto direito a viver nele, com
dignidade e a ser tratados como todos os seres humanos. É obrigação da
sociedade proteger os mais fracos, desde as crianças aos idosos, e os animais
fazem parte deste grupo. Como a minha filha costuma dizer: “Podem não gostar de
animais, mas não lhes façam mal. Mudem de passeio, se tiverem medo, mas não
lhes façam mal.” E que fazem a muitos cães e gatos neste país reflecte bem a má
qualidade de algumas pessoas que se consideram senhores do mundo…Apoiar a APA,
ou a Pravi, ou a Grumapa, ou outra qualquer associação de animais é muito
importante. Para mim é tão importante como denunciar o que muita gente faz aos
pais, quando os abandonam nos hospitais ou nos lares e nunca mais aparecem. É
gente sem coração que se esquece que um dia a velhice também lhe vai bater à
porta.
Aos 88 anos,
Ruy de Carvalho continua a fazer o que mais ama e muito activo em tudo o que
toca à sociedade. O seu exemplo, a sua energia, o amor pelo próximo, a
educação, o carácter foi sempre o que quisemos mostrar nesta entrevista ao Voz
que Voa. Ruy de Carvalho, que Deus o abençoe com saúde, paz, amor e alegria.
O nosso
bem-haja por dar tanto de si ao seu país e ao povo que neste caso, acaba de
representar. Até daqui a pouco, no Porto, no Teatro Sá da bandeira.
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