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GRANDE ENTREVISTA
 De África para o Mundo

 
Isabel Ferreira "a escritora do Povo Angolano"
 
                                    Entrevistada por: Cristina Alves



A cada penumbra do meu ser, eu vivo iluminando o teu. 
   No opaco da cada noite, meu corpo é teu porto de abrigo
    E quando não te sinto chegar, todo meu ser se envolve na busca do teu...   
A cada penumbra, des-crio em pontes de desejos para te abraçar...  
In. Á Margem das Palavras Nuas
 
 
 
 
 


A Isabel não teve uma infância nada fácil. Esta é a fase da sua vida que mais a marcou? Foi por causa dela que se tornou na lutadora que é sempre em busca da vitória?

Agradeço a gentileza desta entrevista. Saúdo-vos, aproveitando para realçar o seguinte: enquanto ser recém-nascido, não tive capacidade para gerir o meu ser. A minha vida foi regida à mercê de quem me colocou ao mundo, um mundo com adversidades, onde apesar de uma infância difícil, resisti. 

Sou uma mulher vencedora! Vitoriosa. Em toda a minha vida nunca cruzei os braços, sempre fui à luta. Tenho a sorte de encontrar seres divinos altruístas, disponíveis a me dar um abraço no momento em que as ondas revolvem. Sou uma mulher abençoada que luta e busca a vitória em todas as armadilhas que a vida me oferece.

As vicissitudes que passei tornaram-me nesta mulher destemida. Desenvolvi a resiliência de um modo intuitivo, quase que a proteger-me, e é com base neste dom que enfrento as agruras da vida. Equiparo-me a mulher cananeia, quando o assunto é lutar para aquilo que pretendo…

 

A literatura é a sua grande mais paixão mas antes de se dedicar a ela foi professora. Esta experiência é uma mais-valia quando escreve a pensar no mundo inteiro?

A mulher em África é criada e formada para educar uma nação. Todos os dias as meninas que crescem em África são confrontadas com essa responsabilidade. As mais crescidas levam os mais novos à escola. Ensinam-lhes a fazer pequenas tarefas domésticas, cantam canções de ninar e narram estórias onde há marcas de transmissão de testemunho e aprendizado.

Eu cresci no internato e apesar de não ter como responsabilidade direta a educação dos meus irmãos, fi-lo com as meninas que comigo conviviam no internato católico. Cedo comecei a partilhar esta ideia, a de transmitir conhecimentos.

No exército enquanto fui militar, ia ensinando os militares que não sabiam ler, nem escrever, através das campanhas de alfabetização. Angola acabava por passar por um período de descolonização e a ausência de quadros nos impelia a tomar atitudes patrióticas urgentes. Na altura o lema era: Estudar e ensinar é um dever revolucionário.

A Literatura esteve sempre envolvida na minha vida. Quando aprendi a ler encontrei na leitura a minha “melhor amiga” e a escrita tornou-se na melhor confidente. Tornei – me professora, re-alvoreceu em mim, a ideia de participar na reconstrução do meu país numa outra trincheira: A trincheira da educação! Ensinar e aprender para a vida melhorar, é e será sempre o meu lema!

Quando escrevo partilho com o mundo o que tenho de melhor …

Com apenas 15 anos ingressou no exército do seu país. É nesta altura que decide agir pela justiça no seu país? Fá-lo atualmente através da literatura mas da música também.

Eu não decidi agir pela justiça do meu país… Eu decidi dar o meu contributo sério na luta de Libertação do meu país, contra o jugo colonial.

O 25 de Abril em Portugal despertou as consciências, e em Angola, teve o mesmo efeito. Foi para muitos o “ grito do Ipiranga” e a partir deste marco histórico, a minha vida e a de muitos angolanos tiveram outros destinos. Éramos jovens e estávamos comprometidos com os ideiais revolucionários progressistas.

O meu foi o de entrar para as FAPLA e ir para a guerrilha… Havia muita coisa para se fazer e eu e muitas mulheres angolanas, com uma visão de liberdade, zarpámos. No meu caso particular, nada tinha a perder. Já não estava no internato, as religiosas tinham abandonado Angola, e viver em casa dos tios, não me era confortável. Precisava de me sentir livre: Livre para lutar, livre para compreender os fenómenos políticos da época…

 A História Universal aprendida na Escola Industrial Oliveira Salazar, onde fui aluna, nos alertava de fenómenos de repressão. As aulas de história e os acontecimentos políticos, assim como a morte de Lumbumba influenciaram o meu modo de estar na vida. A decisão de prestar um “serviço militar” foi consciente e voluntário. Lutar pela pátria invadida por forças reacionárias. Foi esta, a nossa patriótica missão. Foi uma experiência interessante do ponto de vista da minha formação como mulher, como guerrilheira, como angolana.

Dança, Canto, Teatro, Televisão, Rádio … até podem pensar que são áreas que nada têm a ver com o Direito mas no seu caso faz todo o sentido.

O Direito faz todo o sentido! O Direito se cruza com todas as áreas da vida humana! O Direito ensinou-me a quebrar as barreiras das desigualdades sociais, a discriminação sexual. Quando comecei a cantar e a representar fui muito estigmatizada. As pessoas olhavam-me na rua como uma rameira. Muitas vezes, gritavam o meu nome ou diziam em bom som:- olha a mulher do conjunto FAPLA-POVO! Gritavam alto e fugiam. Faziam-me sentir um pária.

Sofri muito, mas hoje sei, que se eu não tivesse estudado, teria sido o que muita gente má apregoava. Foi um tempo… Mas consegui sair vitoriosa graças a Deus, e a minha resiliência! A Arte enamorou-se de mim! Fui do FAPLA-POVO, conjunto musical que animava os encontros entre os militares. Também pertenci ao conjunto musical Afra Sound Star, com a Zizi Mirandela, uma mulher com uma voz quente,  suave, éramos as únicas num universo de cinco a seis rapazes… E também aí, nem sempre o olhar familiar era concordativo. Estive no Teatro e na Dança, do então Conselho Nacional da Cultura em Angola, sempre com vontade de ser feliz e fazer o que mais gosto: cantar, representar, ser eu mesma em palco, sem artefactos, sem simulação, participei em campanha de alfabetização e apanha de café e algodão com a nossa Arte!

 Foi uma época tão linda da minha vida que em frentes de combate nós animávamos os combatentes … A nossa vida estava sempre muito próxima da vizinha morte…

Continuo na Arte qual paloma em busca de vivência artística plena. Quando saio de um aeroporto para outro, levando o meu livro ou a minha voz, fico sempre com a sensação que vejo colegas meus que já não estão entre nós, estes, no passado, tiveram um enjagamento artistico e politico mas que foram esquecidos. Ninguém faz alusão aos seus feitos artísticos…Faço-lhes uma singela homenagem e sigo com a certeza que estou no caminho certo.

Teve sempre uma vida dinâmica e multifacetada. Isabel, não há nada nesta vida que a detenha? Nada que a impeça de prosseguir as suas lutas, a sua obra literária? Onde vai buscar essa força, essa energia que a empurra adiante na vida?

A confiança em Deus impele-me à luta quotidiana e sobretudo porque aprendi a agir por mim própria. Sei que somente devo contar com o meu esforço e sacrifício. Amo o que faço! Apaixonei-me pela escrita e tudo que envolve as Artes é para mim um fator de conquista, de entrega de dedicação e de crescimento intelectual.

Sou feliz, enquanto escrevo! Todo o meu trabalho em torno da escrita é consequência da minha escolha, logo só tenho de manifestar a minha gratidão à Deus por poder viver da Literatura, e da Arte de uma maneira geral. A força vem do Alto e de pessoas que comungam os mesmos ideias. Cada partilha, cada diálogo, é um aprendizado, é um dar e receber, energia que nos entrelaça e nos move a continuar. O meu trabalho tem sido um êxito, graças ao apoio de personalidades do mundo acadêmico que se cruzam comigo no universo das Letras. E assim o livro segue o seu caminho…

E o nome Isabel Ferreira vai se juntando com humildade a outros nomes da literatura angolana!

Do seu universo literário destacam-se várias obras poéticas e em prosa. Uns apelidam-na de Florbela Espanca Angolana outros consideram-na a Escritora do Povo. Qual das designações a descreve na perfeição?

Lembra-se das Crónicas Femininas? Da revista Maria? Das fotonovelas Contigo? Pois é! Eu lia estas revistas, havia sempre um poema de Florbela Espanca. Estamos a falar de um período colonial, 1972... 1973. Os primeiros escritos inspiravam-me na sua poesia. Eu devia ter os meus treze anos. Anos mais tarde, fui-me interessando cada vez mais pela vida e obra de Florbela Espanca. Li a sua biografia e encontrei um trilho quase semelhante. Gosto da poesia de Florbela Espanca. Ela teve uma vida muito sofrida entre amores e desamores, provavelmente haverá alguma similitude biográfica... Eu sinto-me confortável quando adjetivam como próxima desta autora que foi uma mulher à frente do seu tempo.

Florbela Espanca foi uma poetisa que exalava poesia.

Na prosa é comum apelidarem-me A escritora do povo, porque escrevo o que vai na alma de um povo humilde e generoso, como é o povo angolano. A minha narrativa é verdadeira, apesar de criar e inventar personagens, ela pulsa verdade, ou revolta; há uma mistura entre a ficção e a realidade.

Eu escrevo: - o choro, o grito, a lágrima da zungueira ou a alegria de um amor reencontrado pós-guerra. Há na minha escrita, um retrato social muito “nosso”, a muangolé onde rasgo as histórias íntimas de quem anda no candongueiro da vida….

Num mundo cada vez mais globalizado, Isabel divide a sua vida profissional e artística por vários pontos do planeta. Qual é o país ou países que tem vontade, necessidade de levar a literatura angolana?

Sonhar é uma virtude! Do sonho é que vem a atitude! Sonhei um dia ter o meu livro como objeto de estudo nas Academias Brasileiras, e consegui! O Brasil tem sido um grande parceiro na divulgação dos meus trabalhos literários. Agradeço o Brasil pela parceria acadêmica, pelo contributo na divulgação da minha escrita.

Moçambique, Cabo-Verde e S.Tomé, são países que pelos laços afetivos devia haver maior intercâmbio entre os autores e as obras, ainda assim, o meu livro circula nestes países.

A minha saga agora se dirige para UK. Preciso de deixar a minha marca neste país. É também meu desejo, levar a Literatura angolana aí, onde há um público angolano considerado. É importante que o angolano conheça os seus autores, independentemente de estar na diáspora!

No meu ponto de vista pessoal, o livro angolano deve ser lido, estudado, referenciado em academias onde a hermenêutica seja o principal elemento de estudo. Temos autores com uma narrativa sagaz, híbrida onde ressaltam os nossos valores culturais que o Ocidente precisa conhecer…

Tenho que transpor as barreiras de uma Literatura que se acomoda no seu locus… O locus angolano! Se o sonho comanda a vida… posso mais longe voar…

 
 
 

Deseja a vitória e assim vais persistir na luta. Esta pode ser uma máxima para todas as mulheres? A Fé, uma luz que guia os pensamentos e os passos, é também essencial durante a luta?

Sim, a luta é a minha maior motivação para viver, para escrever para seguir em frente. Quanto a Fé é um dom divino, com ela conseguimos sempre recomeçar diante das inúmeras adversidades da vida.

A ideia do recomeço, do movimento, surge e acontece quando somos tenazes, com fé, otimismo, atitude e esperança, conseguimos chegar a meta. Nada se projeta com medos: a persistência, perseverança e paciência, são os elementos que caracterizam a minha personalidade!

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