João Ricardo Pateiro : A voz que voa dos relvados para os palcos
O relato na
maneira que eu entendo tem muitos pontos de contacto com a área do
entretenimento. O relato de rádio. Aliás, mesmo os mais puristas que
dizem que o relato é só jornalismo … só o facto de gritarmos golo durante não
sei quantos segundos. Aquele grito do golo, aquilo é só espetáculo. Não tem
nada de informação. É uma cedência à área do entretenimento. Estar ali a gritar
gooooooolo. Do ponto de vista jornalístico é muito mais interessante então
dizer como é que foi a jogada, como é que aconteceu o golo. Seria muito mais
interessante. Depois eu introduzi
todo esse espetáculo ainda mais com essas canções para os jogadores porque acho
que vai ao encontro daquilo que as pessoas desejam naqueles momentos de maior
euforia.
Entrevista: Cristina Alves
A voz dele
voa nos relvados, finta todas as casas, entra em qualquer viatura e remata para
o golo sempre com uma música peculiar. Por incrível que pareça vibra sempre com
a mesma emoção quando grita gooooooooooolo … basta-lhe que a equipa seja
portuguesa. Tentamos conhecer um pouco melhor este homem dos relatos.
Foto: Sérgio Aires
João Ricardo
lembras-te como surgiu a ideia de cantares para o jogador goleador?
Sabes que a
ideia não é minha. A ideia foi de um colega meu, que trabalhava comigo na TSF,
que já não trabalha, o João Paulo Meneses, que sabendo que eu gostava muito de
cantar e que gostava de adaptar canções, fazer versões de canções para outras
pessoas, me deu a ideia. Porque é que eu não adaptava essas canções aos
jogadores no momento dos golos, fazendo uma canção para cada jogador e dessa
forma festejar o golo de uma maneira muito diferente. Da primeira vez fiquei
com algumas dúvidas. Depois num segundo momento tive problemas de ter coragem
de por a ideia em prática... mas, depois enchi-me de força. Fiz a música do Falcão.
Coloquei em prática. Também tive sorte porque o Falcão marcou imensos golos. A
música era engraçada: “jogou, fintou e
marcou de cabeça. Falcão não há quem não te conheça. És um goleador. Fazes com
que o Porto mais cresça.” E a partir daí isso foi um sucesso. Muita gente
gostou. Começaram a pedir para outros jogadores e eu comecei a fazer e acabou
por ser uma bola de neve. Deixa-me dizer que o mais difícil foi mesmo ter tido
coragem porque o nosso país é bastante conservador em que sempre que tentas fazer
algo de diferente, que foge àquilo que é a “normalidade”, 'as coisas que estão
instituídas , apontam-te a dedo... Haja
coragem .
Tiveste
receio que te achassem pimba?
Não. Não tive
esse receio. Tive mais o receio que as pessoas considerassem que eu não levava
o relato de futebol a sério . Que estava a levar muito aquilo para a área do
entretenimento. Que já não era um produto jornalístico.
Mas, o futebol
é também essa emoção, essa alegria que passas ao adepto.
A tua voz
voa em cada estádio que visitas e voa também para casa dos teus ouvintes. Não
saberias fazer mais nada do que voar com a tua voz?
Eu gosto
muito do jornalismo, gosto muito do relato de futebol, entre os produtos
jornalísticos, mas não me preenche completamente. Eu gosto muito do mundo do
espetáculo, gosto de estar em palco. Tenho quase uma necessidade daquele
contacto direto com o público e não so' o contacto da rádio que é diferente. Eu
não tenho imediatamente a perceção se as pessoas estão a gostar ou não daquilo
que eu estou a fazer. Em palco quando estou a cantar tenho imediatamente a
reação das pessoas que estão na plateia. Eu gosto muito dessa adrenalina,
desse trabalhar sem rede. Por isso, neste mundo das canções, sinto-me muito
mais preenchido assim como me sentiria, por exemplo, se fizesse representação.
Gostava muito de fazer teatro ou telenovela. Gostava muito também de fazer isso
um dia. Quero experimentar fazer. Eu costumo dizer que faço jornalismo e faço
com gosto mas havia outras coisas na vida que eu gostava também de abraçar. . Não sou
propriamente aquela pessoa que diz: se não fizesse isto, não sabia o que é que
poderia fazer para ser feliz. Comigo não. Há várias coisas que eu gostava de
fazer.
Nos dias que
correm todos sabemos que ninguém pode dar como garantido o emprego que tem.
João, tu terias sempre um plano A, um plano B, para ultrapassar o desemprego se
isso te acontecesse.
Talvez!!! Sabes que esse é um flagelo que, infelizmente, atinge muitas pessoas e em alguns
casos até famílias. O marido e a mulher que estão desempregados. Há algumas
situações em que eu tento ser, na medida em que eu posso ser, solidário com
essas pessoas e portanto não sei muito bem como é que seria um cenário desses.
Eu acho que nasci, graças a Deus, com estas valências diferentes que me
permitem eventualmente num quadro desses, de maior aflição, encontrar uma ou
outra jangada em que eu consiga chegar a um bom porto, nessa jangada. Só não me
conseguia ver por exemplo a trabalhar numa secretaria, num banco, assim numa
coisa fechada. Com todo o respeito pelas pessoas que trabalham nessas áreas.
Imaginar que todos os dias tenho que ir para
aquele sítio e que são oito horas naquele local, não é para mim. Num quadro
desses acho que preferia ser taxista, fazer qualquer coisa de diferente. Gosto
muito do contacto com as pessoas, falar com as pessoas e não estar sempre
parado no mesmo espaço. Então se calhar ser taxista tem mais a ver comigo!
A família é a base de tudo para ti. Consegues através deles a harmonia no casamento rádio/ espectáculo.
São tudo para mim. A Mónica, minha mulher, tem de me compreender bem. Passo noites fora de casa para atuar, para relatar e muitas vezes não estou tão presente. Tento compensar noutras vezes em que estou e tento que esse tempo seja de qualidade e que a minha mulher e a minha filha sintam que estou ali de corpo e alma com elas. A família também porque falto a aniversários, casamentos mas porque o meu trabalho não é das 9h às 17h. Posso ter um dia em que não tenha nada para fazer, a meio da semana por exemplo mas, depois os sábados e domingos estão completamente ocupados. Eu costumo dizer que desde 1987 não tenho fins de semana porque tenho sempre de relatar tirando o período das férias que e' quando não há futebol. Mesmo à vezes no período de férias há campeonatos do mundo, campeonatos da Europa. Quem está comigo, a minha mulher e a minha filha Sofia, já se vai apercebendo, embora seja ainda muito pequenina, têm de perceber que a minha vida é assim. Que a minha vida não é uma vida como outras pessoas têm. Que sabem que o horário delas é sempre aquele e ao sábado e ao domingo estão disponíveis. Os meus horários são um caos mas eu já me organizo no meio deste caos pois já são muitos anos a trabalhar neste registo.
Os carros.
Os carros antigos. Tens por eles uma paixão enorme. Tratas os teus carros com
tanto carinho mas também os pões à prova e mostras que eles ainda estão aí para
as curvas. Eles já te levaram algumas vezes ao emprego?
Muitas
vezes. Aliás, hoje para este espetáculo, aqui, no Passos Manuel, vim num desses
carros, num Volvo de 1974, um 244 Dl, que é um familiar, é uma banheira mas dá
jeito porque tem uma mala enorme. Dá para meter lá, o carrinho do bebé, dá para
meter as nossas malas, a tralha toda da praia e é um carro que dá muito jeito.
Eu tento usá-los muitas vezes como carro do dia-a-dia porque esses carros,
alguns que tenho dos anos 60, o melhor que a gente lhes pode fazer é dar-lhes
uma utilização diária. Aliás isso é válido, penso eu, para qualquer máquina,
seja um frigorifico, seja uma máquina de lavar. Tem que trabalhar porque senão
depois todos aqueles circuitos e aqueles tubos se não trabalharem começam a
ficar ressequidos. Com os carros acontece a mesma coisa, os travões têm de
funcionar, não todos os dias mas convém trabalhar com frequência. Todos aqueles
circuitos, aqueles óleos dos travões, do motor, tudo isso convém que se circule para que a máquina se mantenha
operacional. Eu tento dar aos meus carros antigos um uso quase diário. Uma
semana trabalho com um, depois outra semana trabalho com outro e assim vou
usando os carros.
E de onde é
que te vem esta paixão?
Eu sou muito
saudosista. Não é só paixão pelos carros. É a paixão por móveis antigos, por
objetos antigos: telefones, televisores, rádios, máquinas de fotografar, malas
de viagem … tudo isso mexe muito com aquilo que eu gosto porque tenho
essas memórias dos anos 70, 80 e os objetos são uma forma de eu me
transportar para esse tempo mais facilmente. Os carros são apenas mais um
desses objetos que me fazem viajar no tempo. Neste caso, viajar mesmo porque
posso pegar neles. É muito engraçado porque num carro destes e então se for um
descapotável, nós não só apreciamos a paisagem como fazemos parte da paisagem.
Isso dá-me um prazer grande e gosto de os manter estimados. O prazer pelos
carros surgiu na sequência do gosto que tenho por tudo aquilo que é antigo, que
está bem estimado.
No palco do
espetáculo a Tertúlia dos 40, onde realizamos esta entrevista, os cadeirões que lá se encontravam eram dos avós do João
Ricardo Pateiro. Conta-nos que num deles morreu o avô paterno. São as
histórias dos objetos que marcam o João.
Continua a
contar-nos: “eu olho para ali e lembro-me da sala dos meus avós em Évora. O
rádio que ali está era do meu avô materno” … é o viajar com os objeitos que lhe
faz guardar essas memórias tão importantes. “Eu olho
para ali por exemplo para aquele sofá e lembro-me de estar ao colo do meu avô e
adormecer ao colo dele. Gosto daquele sofá por isso. O sofá para mim diz-me
muito. E tê-lo aqui em palco enquanto estou a atuar, por exemplo, acabo também
por tê-los um bocadinho comigo. É muito frequente oferecerem-me objetos
antigos porque sabem que gosto e estimo.
João tens de
ter uma casa enorme para guardar tantas recordações …
O problema é que não tenho e a minha mulher passa-se (Risos) … mas eu gosto de
ter aquela quinquilharia toda. Cada objeto tem uma história e eu gosto de
olhar para aquilo e lembrar-me das pessoas. Essa tralha para mim tem
significado, faz sentido.
A tua forma
de estar na vida, o contacto, o afeto pelo público, as memórias fazem-te
vestir a camisola da Tertúlia dos 40.
Memórias
musicais, de publicidade, desenhos animados, séries de televisão … as músicas
do Festival da Canção, as músicas do José Cid de quem eu sou fã desde miúdo.
Cantei pela primeira vez com 6 anos na escola primária, a “rosa que te dei” e
sabia a letra toda. E depois é engraçado porque estas memórias todas veem
comigo. É como se eu fosse o carro e vem uma roulotte comigo em que está isso
tudo. Isso também está no espetáculo. Penso que isso passa para o público
porque quem vem ver o espetáculo, muita gente viveu essa época, dos anos 80,
que é uma época quase irrepetível. É como o Carlos Daniel diz: nós víamos todos
a mesma televisão. Só havia dois canais, a RTP1 e a RTP2. Por isso é que as
nossas memórias são as mesmas porque nós víamos todos o mesmo. A noite do
Festival da Canção era uma noite de culto. Raramente alguém saia de casa, era
quase uma noite de Natal. Isso são coisas que dificilmente se repetem porque
hoje a oferta é muito grande. Há uma diversidade muito grande de coisas que se
podem ver.
Hoje vi, aqui, no Passos Manuel um público com idades muito diferentes. Nós que
vivemos os anos 80 marcamos com as nossas memórias, a memória dos nossos
filhos?
Sim e há
músicas que eles também gostam que às vezes também a nós nos dão prazer cantar
na Tertúlia dos 40. Lá por não ser dos anos 80, fazemos ali algumas cedências e
também cantamos. Tentamos assim também agarrar um público diferente, de outras
gerações. Por exemplo, José Cid é um artista transversal. Mesmo nos espetáculos
dele eu vejo pessoas da idade dos meus pais, da minha idade mas também vejo
miúdos de 20 e tal anos a ver José Cid e a vibrar na primeira fila, aos saltos
com José Albano Cid Tavares, que é uma coisa que eu acho notável esse lado que
ele tem que é o de chegar a públicos tão diferentes. Nós também neste
espetáculo recuperando aqui as músicas dele, do Carlos Paião, Fernando Tordo,
Jorge Palma, Abrunhosa, Rui Veloso e outros nós tentamos também mostrar que no
nosso tempo também se faziam coisas muito bonitas e que vale a pena ouvir.
Sexta-feira, 17 de Julho a Tertúlia dos 40 vai estar em Guimarães e tem muitos mais espetáculos agendados. Os emigrantes também já começaram a recordar estes tempos. Aliás eles ainda têm mais saudades do que nós deste tempo.
O nosso convidado não quis despedir-se sem antes deixar uma palavra de força a todos os emigrantes para continuarem a lutar por aquilo que sonham, pelos projetos que têm. Venham a Portugal de vez em quando. Que desfrutem do nosso país mas também dos países onde estão. Às vezes pode parecer um sacrifício mas tudo na vida tem um lado bom. “Só se vive uma vez mas se for com muito prazer uma vez chega.”
O projeto e
convidados vão continuar a fazer voar a voz, como diz João Ricardo Pateiro,
enquanto os intervenientes e o público se divertirem.
Quanto 'a filha do
jornalista/ artista João Ricardo assistiu ao espetáculo. Durante quase duas horas esteve
no colo da mãe e aguentou ,embora por vezes chama-se pelo pai. Mal teve a
oportunidade de subir ao palco e agarrar-se ao pai fê-lo com muita felicidade.
Só foram necessários poucos minutos para que a pequena Sofia adormecesse
naquele colo, que é o seu …
Entrevista: Cristina Alves
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